Por
Adriana Carneiro Monteiro, Gley Porto Barreto, Isabela Lima de Oliveira e
Smadar Antebi
1. Conceito de minorias
Para iniciarmos nosso estudo sobre minorias, faz-se
necessária uma análise de seu conceito, o que não é questão das menos
polêmicas. De fato, até a Organização das Nações Unidas não conseguiu
formalizar um conceito universalmente aceito. Vale salientar que sempre houve
muita hesitação sobre o assunto: a Declaração Universal não tratou particularmente
dos Direitos das Minorias, de modo que o Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos de 1966 foi o primeiro instrumento normativo internacional da ONU,
a tratar sobre o tema, ainda assim, sem fornecer uma definição de minoria,
apenas exigindo o respeito aos direitos dos grupos minoritários, como
evidenciado em seu artigo 27.
José Augusto Lindgren Alves salienta que as
argumentações para tamanha hesitação provinham da dificuldade de conciliação
das posições assimilacionistas dos Estados do Novo Mundo (formados por
populações imigrantes) e as dos Estados do Velho Mundo, com grande gama de
grupos distintos em seus territórios nacionais. O mesmo autor adverte, porém,
que as razões mais profundas para as hesitações nessa área acham-se expostas no
Prefácio de Francesco Capotorti ao seu estudo sobre minorias em 1977 (para a
regulamentação do artigo 27 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos), a saber:
desconfianças dos Estados em relação aos instrumentos internacionais de
proteção dos direitos das minorias, vistos como pretextos para interferência em
assuntos internos; ceticismo quanto ao fato de se abordar, em escala mundial,
as situações distintas das diversas minorias; a crença na ameaça à unidade e à
estabilidade interna dos Estados pela preservação da identidade das minorias em
seu território e, finalmente, a ideia de que a proteção a grupos minoritários
constituiria uma forma de discriminação.
Dada a necessidade de uma definição de minoria, a Subcomissão para
a Prevenção da Discriminação e a Proteção
das Minorias, criada pela ONU, encomendou ao perito italiano Francesco
Capotorti (anteriormente citado) um estudo que resultou na seguinte definição
de minoria: “Um grupo numericamente inferior ao resto da população de um
Estado, em posição não-dominante, cujos membros - sendo nacionais desse Estado
- possuem características étnicas, religiosas ou linguísticas diferentes das do
resto da população e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um sentido de
solidariedade, dirigido à preservação de sua cultura, de suas tradições,
religião ou língua. “Como verificado no artigo inédito O Direito das Minorias
Étnicas, de Luciano Mariz Maia, esse conceito de Capotorti assemelha-se ao do
antropólogo Fredrik Barth, que o situa na autoperpetuação biológica, compartilhamento
de valores culturais comuns, integração de um campo de comunicação e interação
e identificação dos membros do grupo entre si”.
Cabe aqui salientar que há duas definições com que
caracterizar minorias, envolvendo as concepções sociológica e antropológica.
Segundo Moonen, “na sociologia o termo minoria normalmente é um conceito
puramente quantitativo que se refere a um subgrupo de pessoas que ocupa menos
da metade da população total e que dentro da sociedade ocupa uma posição
privilegiada, neutra ou marginal”.
No aspecto antropológico, por sua vez, a ênfase é
dada ao conteúdo qualitativo, referindo-se a subgrupos marginalizados, ou seja,
minimizados socialmente no contexto nacional, podendo, inclusive, ser uma
maioria em termos quantitativos. Moonen observa ainda que uma das primeiras
definições nesse sentido foi a de L. Wirth, sendo minoria “um grupo de pessoas
que, por causa de suas características físicas ou culturais, são isoladas das
outras na sociedade em que vivem, por um tratamento diferencial e desigual, e
que por isso se consideram objetos de discriminação coletiva”. Verifica-se,
portanto, que, no conceito antropológico, a diferença não está em termos
quantitativos, mas no tratamento e no relacionamento entre os vários subgrupos,
nas relações de dominação e subordinação. Sem nos pautarmos em números, o grupo
dominante é a maioria, sendo minoria o grupo dominado.
Assim, permanecem as dificuldades para o alcance de
uma definição consensual para o termo minorias. Nem a Declaração sobre os Direitos
das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e
Linguísticas (a ser tratada mais adiante no presente trabalho) se propõe a uma
definição, nem em seu preâmbulo, nem em sua parte dispositiva. Entretanto, a
criação de um Grupo de Trabalho pela Subcomissão para Prevenção da
Discriminação e Proteção às Minorias (através da Resolução 1994/4, de 19 de
agosto de 1994) promete avanços nessa área conceitual.
2. Minorias Étnicas, Linguísticas
e Religiosas
As minorias referidas são as únicas listadas para
proteção no Pacto dos Direitos Civis e Políticos (artigo 27), pelo que é muitas
vezes criticado.
As minorias étnicas são grupos que apresentam entre
seus membros, traços históricos, culturais e tradições comuns, distintos dos
verificados na maioria da população.
Minorias linguísticas são aquelas que usam uma
língua (independentemente de ser escrita) diferente da língua da maioria da
população ou da adotada oficialmente pelo Estado. Vale salientar que não é
considerado língua mero dialeto com sutis diferenças em relação à língua
predominante.
Minorias religiosas, por sua vez, são grupos que
professam uma religião distinta da professada pela maior parte da população,
mas não apenas uma outra crença, como o ateísmo.
Delimitadas essas considerações, passemos aos
critérios de identificação das minorias, que envolvem aspectos objetivos e
subjetivos. O aspecto objetivo envolve a observação da realidade concreta das
minorias, tendo provados seus laços étnicos, linguísticos e culturais através
de documentos históricos e testemunhos comprovadamente verídicos dos fatores
característicos distintivos. O critério subjetivo envolve o reconhecimento da
minoria (de existência já objetivamente demonstrada ) pelo Estado, sendo
importante observar que o não reconhecimento, por parte do Estado, de uma
minoria, não o dispensa de respeitar os direitos do grupo minoritário em
questão, conforme visão de Capotorti, também compartilhada por Luciano Maia:
“nem membros de um grupo nem o Estado podem, discricionariamente, arbitrar se o
grupo possui os fatores característicos distintivos, e se incide no conceito de
minoria”.