Dos direitos sociais enquanto
terceira geração dos direitos de cidadania à emergência de uma nova geração de
direitos humanos
Como temos discutido nas últimas reflexões, a
cidadania humana concretiza-se na vida cotidiana, na
dinâmica das relações sociais. Para que a convivência entre todos seja
possível, o homem tem lutado, ao longo da História, por condições justas e
dignas de convivência e, a partir dessas lutas, vem estabelecendo coletivamente
essas condições sob a forma de direitos.
A primeira carta de direitos, o
"Bill of Rights", foi formulada na Inglaterra do século XVII, na
sequência de uma revolução que opôs os grandes comerciantes e proprietários de
terras com expressão no Parlamento ao rei absolutista Jaime II e seus
seguidores.
A experiência inglesa terá inspirado os
colonos norte-americanos que se revoltaram contra o domínio da Inglaterra em
1776. Em 1791, a Constituição Americana incorporou os direitos e as liberdades
individuais nas suas dez primeiras emendas.
Contudo, o documento-chave para a
afirmação dos direitos humanos foi a "Declaração dos Direitos do
Homem", proclamada na França, em 1789, no contexto da Revolução Francesa.
Era uma revolução contra o poder absoluto do rei e pelo fim dos privilégios do
clero e da aristocracia. Ao contrário dos ingleses, que afirmavam direitos
apenas para os nascidos no seu país, a declaração francesa proclamava os
direitos do homem e do cidadão para a humanidade inteira, pelo que passámos a
falar de direitos universais.
No século XIX, a Revolução Industrial
inglesa trouxe novos problemas sociais. O crescimento dos aglomerados urbanos,
com o aparecimento das unidades fabris e as consequentes dificuldades dos
operários e da população pobre, favoreceu a organização dos primeiros
sindicatos. Nesse contexto, sob a influência do pensamento socialista, o
movimento sindical europeu questionou a enorme distância entre os princípios
inscritos nas declarações de direitos e a dura realidade vivida pelos
operários, nomeadamente as extensas jornadas de trabalho, os baixos salários e
as dificuldades com a habitação, a saúde e a educação dos filhos.
A partir desses movimentos sociais,
surge a chamada “segunda geração de direitos humanos”. Se os direitos da
primeira geração tinham por referência a liberdade, estes têm como tónica a
igualdade. São os chamados direitos sociais, económicos e culturais e incluem,
entre outros, o direito ao trabalho, organização sindical, greve, estabilidade
no emprego, segurança no trabalho, previdência social, saúde, educação gratuita
e acesso à cultura e habitação.
Já no século XX, as grandes guerras
mundiais representaram violações sistemáticas e desenfreadas dos direitos do
homem e do cidadão, mobilizando governos, entidades e movimentos sociais, em
diferentes países, na busca de padrões aceitáveis de convivência inter e intra
nações. O documento que sintetiza essas preocupações e que se constitui na
grande referência até hoje é a Declaração Universal de Direitos Humanos, votada
pela Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas.
Na segunda metade do século passado, os
conflitos decorrentes da nova e complexa organização mundial no pós–guerra
colocaram novas questões relativas aos direitos do homem e do cidadão. A persistência
de desigualdades sociais desencadeou uma terceira geração de direitos: os
direitos de solidariedade, como o direito à paz, ao desenvolvimento e à
autodeterminação dos povos, a um meio ambiente saudável e ecologicamente
equilibrado, à informática e à defesa da vida privada.
Multiplicaram-se então as declarações
que procuram traduzir os direitos não apenas para os “Homens” genéricos, mas
também fazendo referência a grupos específicos, como a mulher, a criança, o
adolescente, o idoso, os portadores de deficiência, os consumidores ou as
minorias étnicas.
Dia após dia, numa sociedade em
constante mudança, novos desafios, conflitos e necessidades sociais obrigam a
uma (re)definição constante dos direitos humanos e de cidadania: não apenas a
garantia dos direitos já expressos, mas também e sobretudo, a conquista de
novos direitos. Fala-se
hoje da emergência de uma nova geração de direitos, a quarta, ligada às novas
tecnologias e à liberdade individual.
Assim,
nas palavras de Marcelo Novelino:
Os
direitos fundamentais não surgiram simultaneamente, mas em períodos distintos
conforme a demanda de cada época, tendo esta consagração progressiva e
sequencial nos textos constitucionais dado origem à classificação em gerações.
Como o surgimento de novas gerações não ocasionou a extinção das anteriores, há
quem prefira o termo dimensão por não ter ocorrido uma sucessão desses
direitos: atualmente todos eles coexistem.
Os direitos
fundamentais de primeira dimensão são os ligados ao valor liberdade, são os
direitos civis e políticos. São direitos individuais com caráter negativo por
exigirem diretamente uma abstenção do Estado, seu principal destinatário.
Ligados
ao valor igualdade, os direitos fundamentais de segunda dimensão são os
direitos sociais, econômicos e culturais. São direitos de titularidade coletiva
e com caráter positivo, pois exigem atuações do Estado.
Os direitos
fundamentais de terceira geração, ligados ao valor fraternidade ou
solidariedade, são os relacionados ao desenvolvimento ou progresso, ao meio
ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como ao direito de propriedade
sobre o patrimônio comum da humanidade e ao direito de comunicação. São
direitos transindividuais, em rol exemplificativo, destinados à proteção do
gênero humano.
Por fim,
introduzidos no âmbito jurídico pela globalização política, os direitos de
quarta geração compreendem os direitos à democracia, informação e
pluralismo.