FILOSOFIA 3º ANOS
. Ética é a parte da filosofia dedicada aos estudos dos
valores morais e princípios ideais do comportamento humano.[1] A palavra
"ética" é derivada do grego ἠθικός, e significa aquilo que pertence ao caráter.[2]
Diferencia-se da moral, pois, enquanto esta se fundamenta na
obediência a costumes e hábitos recebidos, a ética, ao contrário, busca
fundamentar as ações morais exclusivamente pela razão.[3][4]
Na filosofia clássica, a ética não se resumia à moral
(entendida como "costume", ou "hábito", do latim mos,
mores), mas buscava a fundamentação teórica para encontrar o melhor modo de
viver e conviver, isto é, a busca do melhor estilo de vida, tanto na vida
privada quanto em público. A ética incluia a maioria dos campos de conhecimento
que não eram abrangidos na física, metafísica, estética, na lógica, na
dialética e nem na retórica. Assim, a ética abrangia os campos que atualmente
são denominados antropologia, psicologia, sociologia, economia, pedagogia, às
vezes política, e até mesmo educação física e dietética, em suma, campos direta
ou indiretamente ligados ao que influi na maneira de viver ou estilo de vida.
Um exemplo desta visão clássica da ética pode ser encontrado na obra Ética, de
Spinoza.
Porém, com a crescente profissionalização e especialização
do conhecimento que se seguiu à revolução industrial, a maioria dos campos que
eram objeto de estudo da filosofia, particularmente da ética, foram
estabelecidos como disciplinas científicas independentes. Assim, é comum que
atualmente a ética seja definida como "a área da filosofia que se ocupa do
estudo das normas morais nas sociedades humanas"[5] e busca explicar e justificar
os costumes de um determinado agrupamento humano, bem como fornecer subsídios
para a solução de seus dilemas mais comuns. Neste sentido, ética pode ser
definida como a ciência que estuda a conduta humana e a moral é a qualidade
desta conduta, quando julga-se do ponto de vista do Bem e do Mal.
A ética também não deve ser confundida com a lei, embora com
certa frequência a lei tenha como base princípios éticos. Ao contrário do que
ocorre com a lei, nenhum indivíduo pode ser compelido, pelo Estado ou por
outros indivíduos, a cumprir as normas éticas, nem sofrer qualquer sanção pela
desobediência a estas; por outro lado, a lei pode ser omissa quanto a questões
abrangidas no escopo da ética.
Definição e objeto de estudo
O estudo da ética dentro da filosofia, pode-se dividir em
sub-ramos, após o advento da filosofia analítica no séc XX, em contraste com a
filosofia continental ou com a tradição filósofica. Estas subdivisões são:
Meta-etíca, sobre a
teoria da significação e da refêrencia dos termos e proposições morais e como
seus valores de verdade podem ser determinados
Ética normativa,
sobre os meios práticos de se determinar as ações morais
Ética aplicada, sobre
como a moral é aplicada em situações específicas
Ética descritiva,
também conhecido como ética comparativa, é o estudo das visões, descrições e
crenças que se tem acerca da moral
Termo
Em seu sentido mais abrangente, o termo "ética"
implicaria um exame dos hábitos da espécie humana e do seu caráter em geral, e
envolveria até mesmo uma descrição ou história dos hábitos humanos em
sociedades específicas e em diferentes épocas. Um campo de estudos assim seria
obviamente muito vasto para poder ser investigado por qualquer ciência ou
filosofia particular. Além disso, porções desse campo já são ocupadas pela
história, pela antropologia e por algumas ciências naturais particulares (como,
p. ex., a fisiologia, a anatomia e a biologia), uma vez que os hábitos e o
caráter dos homens dependem dos processos materiais que essas ciências
examinam. Até mesmo áreas da filosofia como a lógica e a estética seriam
necessárias em tal investigação, se considerarmos que o pensamento e a
realização artística são hábitos humanos normais e elementos de seu caráter. No
entanto, a ética, propriamente dita, restringe-se ao campo particular do
caráter e da conduta humana à medida que esses estão relacionados a certos princípios
– comumente chamados de "princípios morais". As pessoas geralmente
caracterizam a própria conduta e a de outras pessoas empregando adjetivos como
"bom", "mau", "certo" e "errado". A
ética investiga justamente o significado e escopo desses adjetivos tanto em
relação à conduta humana como em seu sentido fundamental e absoluto.[2]
Outras definições
Já houve quem
definisse a ética como a "ciência da conduta". Essa definição é
imprecisa por várias razões. As ciências são descritivas ou experimentais, mas
uma descrição exaustiva de quais ações ou quais finalidades são ou foram
chamadas, no presente e no passado, de "boas" ou "más"
encontra-se obviamente além das capacidades humanas. E os experimentos em
questões morais (sem considerar as consequências práticas inconvenientes que
provavelmente propiciariam) são inúteis para os propósitos da ética, pois a
consciência moral seria instantaneamente chamada para a elaboração do
experimento e para fornecer o tema de que trata o experimento. A ética é uma
filosofia, não uma ciência. A filosofia é um processo de reflexão sobre os
pressupostos subjacentes ao pensamento irrefletido. Na lógica e na metafísica
ela investiga, respectivamente, os próprios processos de raciocínio e as
concepções de causa, substância, espaço e tempo que a consciência científica
ordinária não tematiza nem critica. No campo da ética, a filosofia investiga a
consciência moral, que desde sempre pronuncia juízos morais sem hesitação, e
reivindica autoridade para submeter a críticas contínuas as instituições e
formas de vida social que ela mesma ajudou a criar.[2]
Quando começa a
especulação ética, concepções como as de dever, responsabilidade e vontade –
tomadas como objetos últimos de aprovação e desaprovação moral – já estão dadas
e já se encontram há muito tempo em operação. A filosofia moral, em certo
sentido, não acrescenta nada a essas concepções, embora as apresente sob uma
luz mais clara. Os problemas da consciência moral, no instante em que essa pela
primeira vez se torna reflexiva não se apresentam, estritamente falando, como
problemas filosóficos.[2]
Ela se ocupa dessas
questões justamente porque cada indivíduo que deseja agir corretamente é
constantemente chamado a responder questões como, por exemplo, "Que ação
particular atenderá os critérios de justiça sob tais e tais
circunstâncias?" ou "Que grau de ignorância permitirá que esta pessoa
particular, nesse caso particular, exima-se de responsabilidade?" A
consciência moral tenta obter um conhecimento tão completo quanto possível das
circunstâncias em que a ação considerada deverá ser executada, do caráter dos
indivíduos que poderão ser afetados, e das consequências (à medida que possam
ser previstas) que a ação produzirá, para então, em virtude de sua própria
capacidade de discriminação moral, pronunciar um juízo.[2]
O problema recorrente
da consciência moral, "O que devo fazer?", é um problema que recebe
uma resposta mais clara e definitiva à medida que os indivíduos se tornam mais
aptos a aplicar, no curso de suas experiências morais, aqueles princípios da
consciência moral que, desde o princípio, já eram aplicados naquelas
experiências. Entretanto, há um sentido em que se pode dizer que a filosofia
moral tem origem em dificuldades inerentes à natureza da própria moralidade,
embora permaneça verdade que as questões que a ética procura responder não são
questões com as quais a própria consciência moral jamais tenha se
confrontado.[2]
O fato de que os
seres humanos dão respostas diferentes a problemas morais que pareçam
semelhantes ou mesmo o simples fato de que as pessoas desconsideram, quando
agem imoralmente, os preceitos e princípios implícitos da consciência moral
produzirão certamente, cedo ou tarde, o desejo de, por um lado, justificar a
ação imoral e pôr em dúvida a autoridade da consciência moral e a validade de
seus princípios; ou de, por outro lado, justificar juízos morais particulares,
seja por uma análise dos princípios morais envolvidos no juízo e por uma
demonstração de sua aceitação universal, seja por alguma tentativa de provar
que se chega ao juízo moral particular por um processo de inferência a partir
de alguma concepção universal do Supremo Bem ou do Fim Último do qual se podem
deduzir todos os deveres ou virtudes particulares.[2]
Pode ser que a crítica
da moralidade tenha início com uma argumentação contra as instituições morais e
os códigos de ética existentes; tal argumentação pode se originar da atividade
espontânea da própria consciência moral. Mas quando essa argumentação torna-se
uma tentativa de encontrar um critério universal de moralidade – sendo que essa
tentativa começa a ser, com efeito, um esforço de tornar a moralidade uma
disciplina científica – e especialmente quando a tentativa é vista, tal como
deve ser vista afinal, como fadada ao fracasso (dado que a consciência moral
supera todos os padrões de moralidade e realiza-se inteiramente nos juízos
particulares), pode-se dizer então que tem início a ética como um processo de
reflexão sobre a natureza da consciência moral.[2]
A ética, independente
da dimensão em que se apresenta social ou individual, tem como objetivo, servir
à vida, sua razão é o ser humano, seu bem estar, de forma que provenha a
felicidade.[2]
História da ética
Éticas grega e greco-romana
A especulação ética
na Grécia não teve início abrupto e absoluto. Os preceitos de conduta, ingênuos
e fragmentários – que em todos os lugares são as mais antigas manifestações da
nascente reflexão moral –, são um elemento destacado na poesia gnômica dos
séculos VII e VI a.C. Sua importância é revelada pela tradicional enumeração
dos Sete Sábios do século VI, e sua influência sobre o pensamento ético é
atestada pelas referências de Platão e Aristóteles. Mas, desde tais
pronunciamentos não-científicos até à filosofia da moral, foi um longo
percurso. Na sabedoria prática de Tales, um dos Sete, não conseguimos discernir
nenhuma teoria da moralidade. No caso de Pitágoras, que se destaca entre os
filósofos pré-socráticos por ser o fundador não apenas de uma escola, mas de
uma seita ou ordem comprometida com uma regra de vida que obrigava a todos os
seus membros, há uma conexão mais estreita entre as especulações moral e
metafísica. A doutrina dos pitagóricos de que a essência da justiça (concebida
como retribuição equivalente) era um número quadrado indica uma tentativa séria
de estender ao reino da conduta sua concepção matemática do universo; e o mesmo
se pode dizer de sua classificação do bem ao lado da unidade, da reta e
semelhantes e do mal ao lado das qualidades opostas. Ainda assim, o
pronunciamento de preceitos morais por Pitágoras parece ter sido dogmático, ou
mesmo profético, em vez de filosófico, e ter sido aceito por seus discípulos,
numa reverência não-filosófica, como o ipse dixit do mestre. Portanto, qualquer
que tenha sido a influência da mistura pitagórica de noções éticas e
matemáticas sobre Platão, e, por meio deste, sobre o pensamento posterior, não
podemos ver a escola como uma precursora de uma investigação socrática que
buscasse uma teoria da conduta completamente racional. O elemento ético do
"obscuro" filosofar de Heráclito (c. 530-470 a.C.) – embora
antecipasse o estoicismo em sua concepção de uma lei do universo, com a qual o
sábio buscará se conformar, e de uma harmonia divina, no reconhecimento da qual
encontrará sua satisfação mais verdadeira – é mais profunda, mas ainda menos
sistemática. Apenas quando chegamos a Demócrito, um contemporâneo de Sócrates e
último dos pensadores originais que classificamos como pré-socráticos,
encontramos algo que se pode chamar de sistema ético. Os fragmentos que
permaneceram dos tratados morais de Demócrito são talvez suficientes para nos
convencer de que reviravolta da filosofia grega em direção à conduta, que se
deveu de fato a Sócrates, teria ocorrido mesmo sem ele, ainda que de uma forma
menos decidida; mas, quando comparamos a ética democriteana com o sistema
pós-socrático com o qual tem mais afinidade – o epicurismo – descobrimos que
ela exibe uma apreensão bem rudimentar das condições formais que o ensinamento
moral deve atender antes que possa reivindicar o tratamento dedicado às
ciências.
A verdade é que nenhum sistema de ética poderia ter sido
construído até que se direcionasse a atenção à vagueza e inconsistência das
opiniões morais comuns da humanidade. Para esse propósito, era necessário que
um intelecto filosófico de primeira grandeza se concentrasse sobre os problemas
da prática. Em Sócrates, encontramos pela primeira vez a requerida combinação
de um interesse proeminente pela conduta com um desejo ardente por
conhecimento. Os pensadores pré-socráticos devotaram-se todos principalmente à
pesquisa ontológica; mas, pela metade do século V a.C. o conflito entre seus
sistemas dogmáticos havia levado algumas das mentes mais afiadas a duvidar da
possibilidade de se penetrar no segredo do universo físico. Essa dúvida
encontrou expressão no ceticismo arrazoado de Górgias, e produziu a famosa
proposição de Protágoras de que a apreensão humana é o único padrão de
existência. O mesmo sentimento levou Sócrates a abandonar as antigas
investigações físico-metafísicas. Essa desistência foi incentivada, sobretudo,
por uma piedade ingênua que o proibia de procurar coisas cujo conhecimento os
deuses pareciam ter reservado apenas para si mesmos. Por outro lado, (exceto em
ocasiões de especial dificuldade, nas quais se poderia recorrer a presságios e
oráculos) eles haviam deixado à razão humana a regulamentação da ação humana. A
essa investigação Sócrates dedicou seus esforços.[2]
A era dos sofistas
Embora Sócrates tenha
sido o primeiro a chegar a uma concepção adequada dos problemas da conduta, a
ideia geral não surgiu com ele. A reação natural contra o dogmatismo metafísico
e ético dos antigos pensadores havia alcançado o seu clímax com os sofistas.
Górgias e Protágoras são apenas dois representantes do que, na verdade, foi uma
tendência universal a abandonar a teorização dogmática e a se refugiar nas
questões práticas – especialmente, como era natural na cidade-estado grega, nas
relações cívicas do cidadão.
A educação oferecida
pelos sofistas não tinha por objetivo nenhuma teoria geral da vida, mas
propunha-se ensinar a arte de lidar com os assuntos mundanos e administrar
negócios públicos. Em seu encômio às virtudes do cidadão, apontaram o caráter
prudencial da justiça como meio de obter prazer e evitar a dor. Na concepção
grega de sociedade, a vida do cidadão livre consistia principalmente em suas
funções públicas, e, portanto, as declarações pseudoéticas dos sofistas
satisfaziam as expectativas da época. Não se considerava a ἀρετἠ (virtude ou
excelência) como uma qualidade única, dotada de valor intrínseco, mas como
virtude do cidadão, assim como tocar bem a flauta era a virtude do tocador de
flauta. Vemos aqui, assim como em outras atividades da época, a determinação de
adquirir conhecimento técnico e de aplicá-lo diretamente a assuntos práticos;
assim como a música estava sendo enriquecida por novos conhecimentos técnicos,
a arquitetura por teorias modernas de planejamento e réguas T (ver Hipódamo), o
comando de soldados pelas novas técnicas da "tática" e dos
"hoplitas", do mesmo modo a cidadania deve ser analisada como
inovação, sistematizada e adaptada conforme exigências modernas. Os sofistas
estudaram esses temas superficialmente, é certo, mas abordaram-nos de maneira
abrangente, e não é de se estranhar que tenham lançado mão dos métodos que se
mostraram bem-sucedidos na retórica e tenham-nos aplicado à "ciência e
arte" das virtudes cívicas.
O Protágoras de Platão alega, não sem razão, que ao ensinar
a virtude eles simplesmente faziam sistematicamente o que todos os outros
faziam de modo caótico. Mas no verdadeiro sentido da palavra, os sofistas não
dispunham de um sistema ético, nem fizeram contribuições substanciais, salvo
por um contraste com a especulação ética. Simplesmente analisaram as fórmulas
convencionais, de maneira bem semelhante a de certos moralistas (assim
chamados) "científicos".
Sócrates e seus discípulos
Sócrates, "o
primeiro nome importante na filosofia ética antiga."
A essa arena de
senso-comum e vagueza, Sócrates trouxe um novo espírito crítico, e mostrou que
esses conferencistas populares, a despeito de sua fértil eloquência, não podiam
defender suas suposições fundamentais nem sequer oferecer definições racionais
do que alegavam explicar. Não só eram assim "ignorantes" como também
perenemente inconsistentes ao lidar com casos particulares. Desse modo, com o
auxílio de sua famosa "dialética", Sócrates primeiramente chegou ao
resultado negativo de que os pretensos mestres do povo eram tão ignorantes
quanto ele mesmo afirmava ser, e, em certa medida, justificou o encômio de
Aristóteles de ter prestado o serviço de "introduzir a indução e as
definições" na filosofia. No entanto, essa descrição de sua obra é muito
técnica e muito positiva, se a avaliamos com base nos primeiros diálogos de
Platão, em que o verdadeiro Sócrates encontra-se menos alterado. Sócrates
sustentava que a sabedoria preeminente que o oráculo de Delfos lhe atribuiu
consistia numa consciência única da ignorância. No entanto, é igualmente claro,
com base em Platão, que houve um elemento positivo muito importante no
ensinamento de Sócrates, que justifica afirmar, junto com Alexander Bain, que
"o primeiro nome importante na filosofia ética antiga é Sócrates". A
união dos elementos positivo e negativo de sua obra tem causado não pouca
perplexidade entre os historiadores, e não podemos salvar a consistência do
filósofo a menos que reconheçamos algumas doutrinas a ele atribuídas por
Xenofonte como meras tentativas provisórias. Ainda assim, as posições de
Sócrates mais importantes na história do pensamento ético são fáceis de
harmonizar com sua convicção de ignorância e tornam ainda mais fácil
compreender sua infatigável inquirição da opinião comum. Enquanto mostrava
claramente a dificuldade de adquirir conhecimento, Sócrates estava convencido
de que somente o conhecimento poderia ser a fonte de um sistema coerente da
virtude, assim como o erro estava na origem do mal. Assim, Sócrates, pela
primeira vez na história do pensamento, propõe uma lei científica positiva de
conduta: a virtude é conhecimento. Esse princípio envolvia o paradoxo de que a
pessoa que sabe o que é o bem não pratica o mal. Mas esse é um paradoxo
derivado de seus truísmos irretorquíveis: "Toda a pessoa deseja o seu
próprio bem e obtê-lo-ia se pudesse" e "Ninguém negaria que a justiça
e a virtude em geral são bens; e entre todos, os melhores". Todas as
virtudes, portanto, estão sintetizadas no conhecimento do bem. Mas esse bem,
para Sócrates, não é um dever que se opõe ao interesse próprio. A força do
paradoxo depende de uma fusão do dever e do interesse numa única noção de bem,
uma fusão que era prevalecente no modo de pensar da época. Isso é o que forma o
núcleo do pensamento positivo de Sócrates, segundo Xenofonte. Ele não podia
oferecer nenhuma abordagem satisfatória do Bem em abstrato, e esquivava-se de
qualquer questão sobre esse ponto dizendo que não conhecia "nenhum bem que
não fosse bom para alguma coisa em particular", mas esse bem particular é
consistente consigo mesmo. Quanto a si, estimava acima de todas as coisas a
virtude da sabedoria; e, no intuito de alcançá-la, enfrentava a penúria mais
severa, sustentando que uma vida assim seria mais rica em satisfação que uma
vida de luxo. Essa visão multidimensional é ilustrada pela curiosa mistura de
sentimentos nobres e meramente utilitários em sua abordagem sobre a amizade: um
amigo que não nos traga benefícios não vale nada; no entanto, o maior benefício
que um amigo pode nos trazer é o aperfeiçoamento moral.
As características
historicamente importantes de sua filosofia moral, se tomarmos conjuntamente
(como devemos) seus ensinamentos e o seu caráter pessoal, podem ser
sintetizados da seguinte maneira: (1) uma busca apaixonada por um conhecimento
que não está disponível em lugar algum, mas que, se encontrado, aperfeiçoará a
conduta humana; (2) simultaneamente, uma exigência de que os homens deveriam
agir na medida do possível conforme uma teoria coerente; (3) uma adesão
provisória à concepção recebida sobre o que é bom, com toda a sua complexidade
e incoerência, e uma prontidão permanente em sustentar a harmonia de seus
diversos elementos, e em demonstrar a superioridade da virtude mediante um
apelo ao padrão do interesse próprio; (4) firmeza pessoal em adotar essas
convicções práticas. É só quando temos em vista todos esses pontos que podemos
compreender como, das conversações socráticas, brotaram as diferentes correntes
do pensamento ético grego.
Quatro escolas
diferentes têm sua origem imediata no círculo que se reuniu em torno de
Sócrates – a escola megárica, a platônica, a cínica e a cirenaica. A influência
do mestre manifesta-se em todas apesar das grandes diferenças que as separam;
todas concordam em sustentar que a possessão mais importante do homem é a
sabedoria ou o conhecimento, e que o conhecimento mais importante a ser
adquirido é o conhecimento do Bem. Aqui, no entanto, termina a concordância. A
parte mais filosófica do círculo socrático constituiu um grupo do qual Euclides
de Mégara foi provavelmente o primeiro líder. Esse grupo admitia que o Bem era
objeto de uma investigação ainda inconclusa e foram levados a identificá-lo com
o segredo do universo e, desse modo, a passar da ética à metafísica. Outros,
cujas exigências por conhecimento eram mais facilmente satisfeitas e estavam
ainda sob a impressão causada pelo lado positivo e prático dos ensinamentos do
mestre, tornaram a busca um assunto bem mais simples. Consideraram que o Bem já
era conhecido e sustentaram que a filosofia consistia na aplicação rígida desse
conhecimento às ações. Entre esses estavam Antístenes, o cínico, e Aristipo de
Cirene. Em virtude de ambos terem admitido o dever de viver consistentemente
conforme a teoria, em vez de conduzi-la por impulso ou pelo costume, em virtude
de sua noção de um novo valor conferido à vida por meio dessa racionalização, e
em virtude de seus esforços em manter uma firmeza inabalável, calma e
tranquila, de têmpera socrática, é que reconhecemos Antístenes e Aristipo como
"homens socráticos", apesar de terem dividido a doutrina positiva do
mestre em sistemas diametralmente opostos. Acerca de seus princípios
conflitantes, podemos dizer que, enquanto Aristipo efetivou a transição lógica
mais óbvia para reduzir os ensinamentos de Sócrates a uma clara unidade
dogmática, Antístenes certamente extraiu a inferência mais natural que se
poderia tirar da vida socrática.
Aristipo argumentava
que, se tudo o que é belo ou admirável no comportamento deriva essas qualidades
de sua utilidade, isto é, de sua aptidão em produzir um bem maior; e, se a ação
virtuosa é essencialmente uma ação realizada com previsão – com a apreensão
racional de que a ação é o meio adequado para a aquisição daquele bem –; então
aquele bem só pode ser o prazer. Aristipo sustentava que os prazeres e dores
corporais são os mais incisivos, mas não parece ter defendido essa ideia em
termos de uma teoria materialista, pois admitia a existência de prazeres
exclusivamente mentais, tais como alegrar-se com a prosperidade da terra natal.
Admitia plenamente que esse bem poderia se realizar apenas em partes
sucessivas, e deu ênfase até exagerada à regra de buscar o prazer do momento e
não se preocupar com o futuro. Para Aristipo, a sabedoria manifestava-se na
seleção tranquila, resoluta e habilidosa dos prazeres que as circunstâncias
ofereciam de momento a momento, sem se deixar perturbar pela paixão, pelo
preconceito ou pela superstição; e a tradição representa-o como alguém que
realizou esse ideal em grau impressionante. Entre os preconceitos dos quais o
homem sábio estaria livre, Aristipo inclui a obediência às convenções ditadas
pelo costume que não tivessem penalidades vinculadas à sua transgressão; no
entanto, sustentava, assim como Sócrates, que essas penalidades tornavam
razoável adotar uma postura de conformismo. Assim, logo nos primórdios da
teoria ética, já aparecia uma exposição completa e minuciosa do hedonismo.
Bem diferente era a
compreensão de Antístenes e dos cínicos a respeito do espírito socrático. Eles
igualmente sustentavam que nenhuma pesquisa especulativa seria necessária à
descoberta do bem e da virtude, e defenderam que a sabedoria socrática não se
exibiu numa busca habilidosa pelo prazer; mas, ao contrário, numa indiferença
racional em relação ao prazer – numa nítida compreensão de que não há valor
algum no prazer nem em outros objetos dos desejos mais comuns acalentados pelos
homens. Antístenes, com efeito, declarou taxativamente que o prazer é um mal:
"É melhor a loucura que ceder ao prazer". Ele não desconsiderou a
necessidade de complementar o insight meramente intelectual com a "força
de espírito socrática"; mas parecia-lhe que, por uma combinação de insight
e autocontrole, a pessoa poderia conquistar uma independência espiritual
absoluta que nada deixaria faltar a um perfeito bem-estar (ver também Diógenes
de Sínope). Pois, quanto à pobreza, à labuta extenuante, ao desapreço e aos
outros males que apavoram os homens, esses seriam úteis, argumentava ele, como
meios de avançar na liberdade e virtude espiritual. Entretanto, na concepção
cínica de sabedoria, não há um critério positivo além da mera rejeição dos
preconceitos e dos desejos irracionais. Vimos que Sócrates não alegava ter
descoberto uma teoria abstrata sobre a boa ou sábia conduta; ao mesmo tempo,
entendia essa falta, em sentido prático, como motivo para a execução confiante
dos deveres costumeiros, sustentando sempre que sua própria felicidade estava
condicionada a essa prática. Os cínicos, de modo mais ousado, descartaram tanto
o prazer como o mero costume por considerarem ambos irracionais; mas, ao
fazerem isso, deixaram a razão liberada sem nenhum objetivo definido além de
sua própria liberdade. É absurdo, tal como Platão apontou, dizer que o
conhecimento é o bem e, depois, quando nos indagam "conhecimento de
quê?" não ter outra resposta positiva senão "do bem"; mas os
cínicos não parecem ter feito nenhum esforço sério de escapar a esse
contrassenso.[2]
As concepções mais
extremas dessas duas escolas socráticas serão retomadas quando chegarmos às
escolas pós-aristotélicas; mas antes devemos esboçar o modo como a teoria
socrática foi elaborada por Platão e Aristóteles.
Platão
A ética de Platão não
pode ser adequadamente tratada como um produto acabado, mas antes como um
movimento contínuo, a partir da posição de Sócrates, em direção ao sistema mais
completo e articulado de Aristóteles, exceto por sugestões de teor ascético e místico
em algumas partes dos ensinamentos de Platão que não encontram correspondência
em Aristóteles, e que, de fato, desaparecem da filosofia grega logo após a
morte de Platão, para bem mais tarde ressurgirem e serem entusiasticamente
desenvolvidas pelo neopitagorismo e pelo neoplatonismo. O primeiro ponto em que
podemos identificar uma concepção ética platônica distinta da de Sócrates está
presente no Protágoras. Nesse diálogo, Platão envida esforços genuínos, embora
nitidamente tenteadores, em definir o objeto daquele conhecimento que ele e seu
mestre consideravam ser a essência de toda a virtude. Esse conhecimento seria
na verdade uma mensuração de prazeres e dores por meio da qual o sábio evita
erroneamente subestimar as sensações futuras em comparação com o que se costuma
chamar de "ceder ao medo e ao desejo". Esse hedonismo tem intrigado
os leitores de Platão. Mas não há razão para perplexidades, pois (como dissemos
ao tratar dos cirenaicos) o hedonismo é o corolário mais óbvio daquela doutrina
socrática segundo a qual cada uma das diferentes noções de bem – o belo, o
prazeroso e o útil – deve ser de alguma forma interpretada em termos das
outras. No que diz respeito a Platão, no entanto, essa conclusão só podia ser
mantida enquanto ele não tivesse executado o movimento intelectual de levar o
método socrático para além do campo do comportamento humano e desenvolvê-lo num
sistema metafísico.
Esse movimento pode
ser expresso da seguinte maneira. "Se soubéssemos", dizia Sócrates,
"o que é a justiça, seríamos capazes de apresentar uma definição da
justiça"; o verdadeiro conhecimento deve ser um conhecimento do fato
geral, comum a todos os casos individuais aos quais aplicamos a noção geral.
Mas isso também é verdade em relação a outros objetos de pensamento e discurso;
a mesma relação entre noções gerais e exemplos particulares se estende por todo
o universo físico; só podemos pensar e falar sobre ele por meio de tais noções.
O conhecimento verdadeiro ou científico, portanto, deve ser um conhecimento
geral, relacionado primariamente não aos indivíduos, mas aos fatos ou
qualidades gerais que os indivíduos exemplificam; de fato, a noção de um
indivíduo, quando examinada, mostra-se como um agregado daquelas qualidades
gerais. Mas, novamente, o objeto do verdadeiro conhecimento deve ser o que
realmente existe; assim, a realidade do universo deve se apoiar em fatos ou
relações gerais, e não nos indivíduos que exemplificam tais fatos e relações.
Até aqui os passos
são suficientemente claros; mas ainda não vemos como esse realismo lógico (como
foi posteriormente chamada essa posição) resulta no caráter essencialmente
ético do platonismo. A filosofia de Platão está voltada para o universo inteiro
do ser; no entanto, o objeto último de sua contemplação filosófica ainda é
"o bem", agora considerado como o fundamento último de todo o ser e
de todo o conhecimento. Ou seja, a essência do universo é identificada com esse
fim – a causa "formal" das coisas é identificada com a sua causa
"final", conforme a posterior terminologia aristotélica. Como isso
ocorre?
Talvez a melhor maneira de explicá-lo esteja num
retorno à aplicaç
aplicação original do método socrático aos assuntos humanos.
Uma vez que toda a atividade racional tem em vista alguma finalidade, as
diferentes artes e funções da indústria humana são naturalmente definidas por
uma declaração sobre seus usos ou finalidades; analogamente, ao oferecer uma
explicação sobre os vários artistas e funcionários, apresentamos
necessariamente as suas finalidades – "aquilo em que eles são bons".
Numa sociedade organizada segundo os princípios socráticos, todos os seres
humanos seriam designados para alguma utilidade; a essência de suas vidas
consistiria em fazer aquilo em que são bons (o seu εργον próprio). Mas,
novamente, é fácil estender essa concepção para todo o campo da vida
organizada; um olho que não alcança a sua finalidade de enxergar está
destituído da essência do olho. Em resumo, podemos dizer acerca de todos os
órgãos e instrumentos que eles são o que pensamos deles à medida que cumprem a
sua função e alcançam sua finalidade. Assim, se concebermos organicamente todo
o universo como um arranjo complexo de meios para fins, entenderemos por que
Platão pode sustentar que todas as coisas realmente são, ou (como diríamos)
"realizam sua ideia", à medida que alcançam o fim ou o bem especial
para o qual foram dispostas. Mesmo Sócrates, apesar de sua aversão à física,
foi levado pela reflexão piedosa a expor uma visão ideológica do mundo físico,
um mundo organizado em todas as suas partes pela sabedoria divina para a
realização de alguma finalidade divina; e a viragem metafísica que Platão
imprimiu a essa visão foi provavelmente antecipada por Euclides de Mégara, que
sustentava que o único ser real é "aquilo que chamamos por diversos nomes:
Bem, Sabedoria, Razão ou Deus", aos quais Platão, alçando a identificação
socrática da beleza com a utilidade a um significado mais elevado, acrescentou
o nome do Belo Absoluto, ao explicar como o amor à beleza mostra-se em última
instância como um anseio pela finalidade e pela essência do ser.
Platão, portanto,
aderiu a essa vasta orientação filosófica, e identificou as noções últimas da
ética com as da ontologia. Temos de ver agora que atitude adotará em relação às
investigações práticas que foram o seu ponto de partida. Quais serão agora suas
concepções de sabedoria, virtude, prazer e de suas relações com o bem-estar?
Buon Governo
(detalhe), afresco de Ambrogio Lorenzetti. Na ética platônica, a Sabedoria
(alto) e a Justiça (centro) são as virtudes fundamentais para a boa condução
tanto da vida particular como do Estado.
A resposta a essa questão é algo complicada. Em primeiro
lugar, temos de observar que a filosofia, agora, saiu da praça do mercado e
entrou na sala de aula. Sócrates buscava uma arte de se conduzir que seria
exercida num mundo prático e entre semelhantes. Mas, se os objetos do
pensamento abstrato constituem o mundo real, do qual esse mundo de coisas
individuais é apenas uma sombra, é evidente que a vida mais elevada e mais real
será encontrada naquela primeira região, não nessa última. A verdadeira vida do
espírito deve consistir na contemplação da realidade abstrata que as coisas
concretas obscuramente representam – na contemplação do arquétipo ou ideal que
os indivíduos sensíveis imitam imperfeitamente; e, como o homem é mais
verdadeiramente homem à medida que se identifica com a sua mente, o desejo pelo
bem de si mesmo, que Platão, seguindo Sócrates, sustentava ser permanente e
essencial em todas as coisas vivas, revela-se em sua forma mais elevada como o
anseio filosófico por conhecimento. Esse anseio surge – assim como a maioria
dos impulsos sensuais – com uma percepção de que nos falta alguma coisa
anteriormente possuída, alguma coisa da qual mantemos uma memória latente na
alma. No aprendizado de uma verdade abstrata por demonstração científica,
simplesmente tornamos explícito o que já sabíamos implicitamente; trazemos à
clareza da consciência as memórias ocultas decorrentes de um estado anterior em
que a alma contemplava diretamente a Realidade e o Bem, antes de ela ser
aprisionada num corpo estranho e antes da mistura de sua verdadeira natureza
com os sentimento e impulsos carnais. Chegamos assim ao paradoxo de que a
verdadeira arte de viver é, na verdade, uma "arte de morrer" para os
sentidos, a fim de existir em estreita união com a bondade e a beleza absoluta.
Por outro lado, dado que o filósofo deve ainda viver e atuar no mundo sensível,
a identificação socrática entre sabedoria e virtude é plenamente mantida por
Platão. Somente aquele que capta o bem em abstrato pode reproduzi-lo como bem
transitório e imperfeito na vida humana, e é impossível que, dispondo desse
conhecimento, não aja de acordo com ele, seja em assuntos privados, seja em
assuntos públicos. Assim, no verdadeiro filósofo, encontraremos necessariamente
o homem bom em sentido prático, e também o estadista perfeito, caso a
organização da sociedade permita-lhe exercer a sua habilidade estadística.
Os traços
característicos dessa bondade prática no pensamento maduro de Platão refletem
as noções fundamentais de sua concepção de universo. A alma do homem, em seu
estado bom e normal, deve estar organizada e harmonizada conforme a orientação
da razão. Surge então a questão: "Em que consiste essa ordem ou harmonia?"
Para esclarecer a resposta elaborada por Platão, convém notar que, embora
mantivesse a doutrina socrática de que a virtude mais elevada é indissociável
do conhecimento do bem, Platão reconhecia uma espécie inferior de virtude,
possuída por homens que não eram filósofos. É evidente que, se o bem a ser
conhecido é o fundamento último de todas as coisas, ele só pode ser alcançado
por um restrito e seleto grupo. No entanto, não podemos restringir a virtude
apenas a esse grupo. Que abordagem, então, devemos dar às virtudes
"cívicas" ordinárias – coragem, temperança e justiça? Parece claro
que os homens que cumprem os seus deveres, resistindo às seduções do medo e do
desejo, devem ter, se não conhecimento, ao menos opiniões corretas quanto ao
bem e ao mal na vida humana; mas de onde viriam essas "opiniões"
corretas? Vêm em parte, diz Platão, da natureza e da "alocação
divina"; mas, para seu adequado desenvolvimento, são necessários "o
costume e a prática". Daí a importância basilar da educação e da
disciplina para a virtude cívica; e mesmo para os futuros filósofos é
indispensável essa cultura moral, em que também cooperam o treinamento físico e
estético (uma preparação apenas intelectual não basta). O conhecimento
perfeito, por outro lado, não pode ser implantado numa alma que não tenha
passado por uma preparação que inclui bem mais que o treinamento físico. O que
é essa preparação? Um passo importante na análise psicológica foi dado quando
Platão reconheceu que o efeito dessa preparação era produzir a "harmonia"
acima mencionada entre as diferentes partes da alma, de modo que os impulsos se
subordinassem à razão. Platão distinguiu esses elementos não-racionais num
componente concupiscível (το επιθυµητικον) e num componente irascível (το
θυµοειδες ou θυµος) – e afirmou que a separação entre esses dois elementos, e
entre esses e a razão, é estabelecida pela experiência que temos de nossa vida
interior.
Nessa tripartição da
alma, Platão encontrou uma concepção sistemática das quatro espécies de
virtudes reconhecidas pela moral estabelecida da Grécia – mais tarde chamadas
de Virtudes Cardinais. Dessas, as duas mais fundamentais eram a sabedoria – que
em sua forma superior identifica-se com a filosofia – e aquela atividade
harmoniosa e regulada de todos os elementos da alma, que Platão toma como a
essência da retidão nas relações sociais (δικαιοσινη). O sentido desse termo é
essencialmente social; e só podemos explicar o uso desse termo por Platão numa
referência à analogia que ele traça entre o homem individual e a comunidade.
Numa polis justamente ordenada, tanto o bem-estar social como o bem-estar
individual dependeriam da interação harmoniosa daqueles diversos elementos,
cada um deles desempenhando a sua função própria, a qual, em sua aplicação
social, é mais naturalmente denominada δικαιοσινη. Vemos, além disso, como na
concepção platônica as virtudes fundamentais da Sabedoria e da Justiça estão
interconectadas. A sabedoria mantém necessariamente a atividade ordenada, e
essa última consiste na regulação pela sabedoria; enquanto que as duas outras
virtudes especiais – a Coragem (ανδρεια) e a Temperança (σωφροσινη) – são
apenas lados ou aspectos diferentes dessa ação sabiamente regulada de uma alma
composta.
Essas são as formas
como o bem essencial se manifesta na vida humana. Resta saber se a apresentação
dessas formas fornece uma explicação completa do bem-estar humano ou se também
se deve incluir o prazer. Nesse ponto, o pensamento de Platão parece ter
sofrido várias oscilações. Depois de aparentemente sustentar que o prazer é o
bem (Protágoras), ele passa para o extremo oposto, rejeitando qualquer
assimilação entre bem e prazer (Fédon, Górgias); pois (1), sendo algo concreto
e transitório, o prazer não é o bem verdadeiramente essencial que o filósofo
está a buscar; (2) as sensações que mais prontamente reconhecemos como prazeres
estão associadas à dor, num vínculo completamente estranho à natureza do bem,
uma vez que esse último jamais se associa ao mal. No entanto, essa era uma
concepção que discordava tanto do socratismo que Platão não poderia permanecer
nela. Que o prazer não fosse um bem absoluto não era justificativa para não
incluí-lo entre os bens da vida humana concreta; além disso, somente os
prazeres brutos e vulgares estão indissociavelmente ligados às dores da carência.
Desse modo, na República, ele não receia tomar o prazer como parâmetro para
responder à questão sobre a superioridade intrínseca da vida filosófica ou
virtuosa, e argumenta que só o homem filosófico (ou bom) desfruta o prazer
genuíno, ao passo que o sensualista gasta a sua vida oscilando entre a carência
dolorosa e o estado neutral de falta-de-dor, que ele equivocadamente toma por
prazer positivo. Ainda mais enfaticamente, declara-se nas Leis que, quando
estamos "dissertando para homens, não para deuses", devemos mostrar
que a vida que estimamos como a melhor e mais nobre é também aquela em que o
prazer supera em maior proporção a dor. Mas, embora Platão mantenha que essa
conexão inquebrantável entre o melhor e o mais prazeroso seja verdadeira e importante,
é apenas em benefício do vulgo que ele dá essa ênfase ao prazer; pois, na
comparação mais filosófica apresentada no Filebo entre as alegações do prazer e
as da sabedoria, as primeiras são completamente subjugadas.
Aristóteles
Aristóteles, importante filósofo da antiguidade.
Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco, afirma que a
felicidade (eudemonia) não consiste nem nos prazeres, nem nas riquezas, nem nas
honras, mas numa vida virtuosa. A virtude (areté), por sua vez, se encontra num
justo meio entre os extremos, que será encontrada por aquele dotado de
prudência (phronesis) e educado pelo hábito no seu exercício.
Para Epicuro a felicidade consiste na busca do prazer, que
ele definia como um estado de tranquilidade e de libertação da superstição e do
medo (ataraxia), assim como a ausência de sofrimento (aponia). Para ele, a
felicidade não é a busca desenfreada de bens e prazeres corporais, mas o prazer
obtido pelo conhecimento, amizade e uma vida simples. Por exemplo, ele argumentava
que ao comermos, obtemos prazer não pelo excesso ou pelo luxo culinário (que
leva a um prazer fortuito, seguido pela insatisfação), mas pela moderação, que
torna o prazer um estado de espírito constante, mesmo se nos alimentarmos
simplesmente de pão e água.[6]
Para os estóicos, a
felicidade consiste em viver de acordo com a lei racional da natureza e
aconselha a indiferença (apathea) em relação a tudo que é externo. O homem
sábio obedece à lei natural reconhecendo-se como uma peça na grande ordem e
propósito do universo, devendo assim manter a serenidade e indiferença perante
as tragédias e alegrias.
Para os céticos da
antiguidade, nada podemos saber, pois sempre há razões igualmente fortes para
afirmar ou negar qualquer teoria, além do que toda teoria é indemonstrável (um
dos argumentos é que toda demonstração exige uma demonstração e assim ad
infinitum). Defender qualquer teoria, então, traz sofrimentos desnecessárias e
inúteis. Assim, os céticos advogavam a "suspensão do juízo" (epokhé).
Por exemplo, aquele que não imagina que a dor é um mal não sofre senão da dor
presente, enquanto que aquele que julga a dor um mal duplica seu sofrimento e
mesmo sofre sem dor presente, sendo a mera ideia do mal da dor às vezes mais
dolorosa que a própria dor.[7]
Ética na Idade Média, no Renascimento e no
Iluminismo
Enquanto na
antiguidade todos os filósofos entendiam a ética como o estudo dos meios de se
alcançar a felicidade (eudaimonia) e investigar o que significa felicidade, na
idade média, a filosofia foi dominada pelo cristianismo e pelo islamismo, e a
ética se centralizou na moral como interpretação dos mandamentos e preceitos
religiosos.
No renascimento e nos
séculos XVII e XVIII, os filósofos redescobriram os temas éticos da
antiguidade, e a ética foi entendida novamente como o estudo dos meios de se
alcançar o bem estar, a felicidade e o bom modo de conviver tendo por base sua
fundamentação pelo pensamento humano e não por preceitos recebidos das
tradições religiosas.
Espinoza,
em sua obra Ética, afirma que a felicidade consiste em compreender e criar as
circunstâncias que aumentem nossa potência de agir e de pensar, proporcionando
o afeto de alegria e libertando-nos das determinações alheias (paixões), isto
é, afirmando a necessidade de nossa própria natureza (conatus). Unicamente a
alegria nos leva ao amor ("alegria que associamos a uma causa exterior a
nós") no cotidiano e na convivência com os outros, enquanto a tristeza
jamais é boa, intrinsecamente relacionada ao ódio ("tristeza que
associamos a uma causa exterior a nós"), a tristeza sempre é
destrutiva.[8][9] Espinosa dizia, quanto aos dominados pelas paixões: "Não
rir nem chorar, mas compreender."